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A Prática da Preceptoria no Cotidiano das Instituições de Saúde

Historicamente, a assistência ao usuário era o principal objetivo das instituições de saúde. Todavia, com o advento dos Hospitais de Ensino, houve a ampliação do foco para ações de pesquisa e ensino, fato que pode tornar-se um desafio para os profissionais que atuam nestes locais (1). Neste contexto, a inserção das Residências nos serviços pode ser estratégica na desestabilização das práticas cristalizadas (1). A convivência dos trabalhadores com os residentes pode contribuir para a construção de novos conhecimentos, através da problematização de seus processos de trabalho nestes serviços (2).

Neste contexto, os trabalhadores se deixam afetar pelas relações e saberes, recebendo de volta, como aprendizado, o agir e o saber do outro. A desestabilização descrita pode ser estendida aos preceptores que, por terem a titulação de especialistas e estarem vinculados prioritariamente à assistência, podem ter pouca ou nenhuma experiência em atividades de ensino e pesquisa (1).

Muitos dos profissionais da saúde que atuam no ensino, o fazem sem uma formação especializada ou mínima qualificação didático-pedagógica, não dispondo de uma reflexão educacional relacionada ao seu fazer profissional (3-4). Uma pesquisa mostrou que 69% dos preceptores entrevistados declararam não terem recebido conteúdos de cunho pedagógico em suas graduações (5). Este estudo também evidenciou que sentimentos de despreparo e insegurança no exercício do ensino interferem no trabalho e são fatores de dificuldade (5). Desta forma, pode-se inferir que a docência é um desafio maior à atualização profissional, do que a assistência.

Essencialmente, os preceptores são profissionais da saúde de nível superior, formados em graduações com currículos fragmentados e organizados por disciplinas, que passaram a exercer funções de preceptoria e de orientação de pesquisa, acrescidas ao trabalho vigente de prestador de serviço, ou seja, da “atividade-fim” de assistência ao usuário. Sabe-se que o acúmulo de funções demandadas gera, em grande parte destes profissionais, diferentes graus de tensionamentos, que podem variar de acordo com a segurança para seu exercício profissional e conforme a presença ou não do apoio institucional para esta ocupação (4-5).

Estes profissionais, ao serem demandados como preceptores, tendem a reproduzir as estratégias pedagógicas as quais foram formados durante a vida, isto é, muitos reproduzem um modelo de ensino tradicional, unidirecional e conteudista. Diferentemente do tutor, o preceptor pertencerá ao mesmo núcleo profissional do residente sob sua supervisão, estando presente no cenário de prática. Deverá ter perfil e características específicas para trabalhar na formação de profissionais que se tornarão especialistas, como negociação, sensibilidade, flexibilidade e conhecimento.

REFERÊNCIAS:

1 Ministério da Saúde (BR). Residência Multiprofissional em Saúde: experiências, avanços e desafios. 1ª ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.

 

2 Ferreira SR. Residência Integrada em Saúde: uma modalidade de ensino [dissertação]. Porto Alegre: Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2007.

 

3 Caregnato RCA.  A Questão Ético-Moral na Formação dos Enfermeiros e Médicos: efeitos de sentidos nos discursos docentes [tese].  Porto Alegre: Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2008.

 

4 Ribeiro VMB (Org). Formação Pedagógica de Preceptores do Ensino em Saúde. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2011, p.126.

 

5 Fajardo AP. Os tempos da docência nas Residências em Área Profissional da Saúde: ensinar, atender e (re)construir as instituições-escola na saúde [tese]. Porto Alegre: Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2011.

 

6 Haddad AE et al. Política Nacional de Educação na Saúde. Rev Baiana de Saúde Pública. 2008 out; 32(1): 98-114.

 

7 Santos FA. Análise crítica dos Projetos Político-Pedagógicos de dois Programas de Residência Multiprofissional em Saúde da Família [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2010.

 

8 Missaka H, Ribeiro VMB. A Preceptoria na Formação Médica: o que Dizem os Trabalhos nos Congressos Brasileiros de Educação Médica 2007-2009. Rev Brasileira de Educação Médica. 2011; 35(3): 303-10.

 

9 Jesus JCM, Ribeiro VMB. Uma avaliação do processo de formação pedagógica de preceptores do internato médico. Rev Brasileira de Educação Médica. 2012; 36(2): 153-61.

 

10 Batista NA. Educação Interprofissional em Saúde: Concepções e Práticas. Caderno FNEPAS. 2012 jan; 2: 25-28.

 

11 Batista NA et al. Ensino em ciências da saúde, planejamento e currículo. São Paulo: UNIFESP, 2012.

 

12 Pereira IDF, Lages I. Diretrizes curriculares para a formação de profissionais de saúde: competências ou práxis? Trabalho, Educação e Saúde. 2013 maio-ago; 11(2): 319-38.

 

13 Ceccim RB, Feuerwerker LCM. O Quadrilátero da Formação para a Área da Saúde: Ensino, Gestão, Atenção e Controle Social. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva. 2004; 14(1): 41-65.

 

14 Parecer CNE/CES nº 1.133, de 07 de agosto de 2001. Trata das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem, Medicina e Nutrição. Diário Oficial da União, 03 out. 2001.

 

15 Ribeiro KRB, Prado ML. A Prática Educativa dos Preceptores nas Residências em Saúde: um estudo de reflexão. Rev Gaúcha de Enfermagem. 2013; 34(4): 161-65.

 

16 Ceccim RB. Residências em saúde: as muitas faces de uma especialização em área profissional integrada ao SUS. In: Fajardo AP, Rocha CMF, Pasini VL (Org). Residências em saúde: fazeres & saberes na formação em saúde. Porto Alegre: Hospital Nossa Senhora da Conceição, 2010. p. 260.

 

17 Ribeiro ECOR. Exercício da Preceptoria: Espaço de Desenvolvimento de Práticas de Educação Permanente. 50º Congresso: Avanços Tecnológicos em Saúde e Educação. Rev Hosp Universitário Pedro Ernesto. 2012; 11(1).

No passado, a formação de grande parte dos profissionais da saúde teve abordagem biologicista, hospitalocêntrica, centrada em conteúdos, compartimentalizada, priorizando as especialidades, cujo modelo de avaliação privilegiava o acúmulo de informações técnicas padronizadas (6-7). Desafiando as formas tradicionais de ensino-aprendizagem no qual grande parte dos profissionais da saúde foi formada, nos anos 2000, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de graduação em saúde foram discutidas e aprovadas. Nestes documentos fica claro, entre outras coisas, a integração ensino-serviço, o estímulo às mudanças no currículo e a necessidade de repensar o processo educativo e as práticas em saúde até então vivenciadas pelos profissionais (8-9). Portanto, buscar-se-á o aprender a aprender por parte do educando, com formações baseadas em metodologias ativas de ensino, com a precoce inserção do aluno em cenários de prática no SUS, com avaliações formativas e não apenas somativas, tendo o aluno como sujeito da aprendizagem e o professor como um facilitador, mediador deste processo de ensino-aprendizagem (6,10-11).

As DCN instituem, portanto, um padrão geral de orientação para a elaboração dos currículos e dos PPP, a serem adotados pelas instituições de ensino superior (12). Em sua essência, visam à formação de profissionais-cidadãos críticos e reflexivos, engajados na produção de cuidados em resposta às demandas sociais e em consonância com os princípios do SUS, dimensão essencial do trabalho em saúde (6-7,13). Estes precisam ser capazes de atuar com qualidade, de forma eficiente e resolutiva no SUS, assegurando a integralidade e a qualidade da atenção, prestando um atendimento humanizado aos indivíduos, famílias e comunidades (11,13).

Desta forma, as DCN dos cursos de graduação da saúde trazem como competências gerais “a atenção à saúde, tomada de decisões, comunicação, liderança, administração e gerenciamento e educação permanente” (14). Essas competências são elementos comuns da formação desejados para os graduados nos cursos da saúde e são complementadas pelas competências específicas necessárias para cada profissão. Elas priorizam não apenas o desenvolvimento cognitivo, mas também o desenvolvimento e incorporação de qualidades técnicas e humanísticas (11,13).

As atividades interdisciplinares realizadas nas RMS articulam-se à Política Nacional de Educação Permanente e podem ser consideradas como estratégicas na formação de recursos humanos para o SUS (2,15). A Educação Permanente, estruturada na problematização do processo de trabalho, parte do pressuposto da aprendizagem significativa, onde o trabalhador produz sentido a partir da reflexão crítica sobre os processos de trabalho visando à transformação das práticas de atenção à saúde (2). A formação em área profissional para esses trabalhadores deverá incidir fortemente na noção de trabalho em equipe e sob a luz da política de educação permanente, de modo que as particularidades de cada realidade possam ser razão de recriação coletiva em cada campo, conforme as articulações entre a atenção, gestão e participação social presentes em cada local (16).

Considerando a complexidade diária a ser enfrentada no sistema   de   saúde   brasileiro,   são   necessários    profissionais

formados no enfrentamento de situações de incerteza, pois aqueles que assumem práticas rotineiras e padronizadas a todas as situações estagnam sua capacidade de olhar o todo, em oposição àqueles que estão permanentemente questionando e enfrentando novos problemas (14,17). Neste contexto, a preceptoria pode tomar como ação seu potencial de formar profissionais reflexivos, alheios às práticas estagnadas, inconformados com as ações automatizadas e com o compromisso ético de questionar se estão fazendo o melhor por seus pacientes (17).

A vivência nas atividades da RMS é favorável ao profissional recém-egresso que, devido à complementaridade de dois anos de ensino em serviço junto a profissionais das mais diversas profissões em cenários da prática, amplia seus horizontes para além dos conhecimentos da sala de aula e dos estágios curriculares da graduação. Desta forma, lhe é oportunizado uma experiência profissional de qualidade aliada ao desenvolvimento de competências que o acompanharão na vida profissional. Em contrapartida, a presença do residente no dia-a-dia do setor ou unidade, pode mobilizar os profissionais que lá se encontram na busca por melhores práticas. Sendo assim, o futuro das instituições de saúde certamente passará cada vez mais pela implementação de novos programas de RMS, visto as potencialidades que esta modalidade de ensino traz ao SUS, seja na formação de recursos humanos familiarizados com seus princípios e diretrizes, seja na melhoria da assistência nas instituições de saúde.

Mda Rafaela Milanesi.

©  2016 por Rafaela Milanesi. Mestranda em Ensino na Saúde (UFCSPA).

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