
Metodologias Ativas de Ensino: Problematização
As práticas educativas são norteadas pelas tendências pedagógicas, ou seja, a maneira pela qual é entendido o processo de ensino-aprendizagem. No sistema educacional brasileiro, a pedagogia tradicional, a renovada, a tecnicista e aquelas caracterizadas fundamentalmente por preocupações sociais e políticas são as mais preponderantes (1). Entretanto, por mais que haja diferenciação entre as tendências pedagógicas, na prática, pode haver uma mescla de abordagens dentro do mesmo cenário educativo, onde os educadores podem valer-se de processos pedagógicos diferentes em uma mesma formação (1).
O ensino em saúde consiste em uma complexa tarefa. Devido à dinamicidade deste processo, requer olhar diferenciado e sensível, envolvendo certas atitudes, como o estar disponível, aberto a escuta, a flexibilidade, a sensatez e a pró-atividade (2). O profissional de saúde preceptor é um educador em sua essência, pois sua atuação enquanto ator constituinte do ensino em serviço envolve não apenas o residente, mas os demais membros da equipe, o paciente, seus familiares e a instituição de saúde (2-3). Todavia, em muitos serviços, as práticas educativas convencionais ainda estão presentes e acabam por priorizar o repasse de informações, a individualidade e a prática repetitiva (2).
Objetivando a mudança desse paradigma, há um incentivo por parte dos Ministérios da Saúde e Educação quanto ao uso de métodos de aprendizagem ativa, que focam no “aprender a aprender” e são organizados a partir de situações problema no cotidiano dos serviços de saúde (2). A reflexão sobre os problemas desencadeia a busca por explicações para os acontecimentos e a proposição de soluções. Para tal, o aluno acaba por reconstruir os conteúdos, reorganizando, adaptando e desvelando novas relações entre o que é vivenciado e sua estrutura cognitiva prévia (2).
Dentro dos métodos de aprendizagem ativa, encontra-se a Problematização, metodologia prevista tanto nas normativas que regem as RMS, quanto a Política de Educação Permanente em Saúde.
REFERÊNCIAS:
1 Pereira ALF. As tendências pedagógicas e a prática educativa nas ciências da saúde. Cad de Saúde Pública. 2003 set.-out; 19(5): 1527-34.
2 Melo MC, Queluci GC, Gouvêa MV. Problematizando a residência multiprofissional em oncologia: protocolo de ensino prático na perspectiva de residentes de enfermagem. Rev da Escola de Enfermagem USP. 2014; 48(4): 706-14.
3 Garcia MAA. Saber, agir e educar: o ensino-aprendizagem em serviços de Saúde. Interface (Botucatu). 2001 fev; 5(8): 89-100.
4 Santos FA. Análise crítica dos Projetos Político-Pedagógicos de dois Programas de Residência Multiprofissional em Saúde da Família [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2010.
5 Cyrino EG, Toralles-Pereira ML. Trabalhando com estratégias de ensino-aprendizado por descoberta na área da saúde: a problematização e a aprendizagem baseada em problemas. Cad Saúde Pública. 2004 maio-jun; 20(3): 780-8.
6 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 46 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2013.
7 Berbel NAN. A problematização e a aprendizagem baseada em problemas: diferentes termos ou diferentes caminhos? Interface - Comunicação, Saúde, Educação. 1998; 2(2).
Este método objetiva a formação de sujeitos sociais ativos, não alheios à realidade, crítico-reflexivos, criativos e com capacidade de intervir e modificar questões que requerem soluções (4). Não se trata de memorizar procedimentos ou ideias, o enfoque nesta perspectiva de formação expande-se para o formular soluções de acordo com o problema que se apresenta, levando-se em conta toda a imprevisibilidade das nossas vivências cotidianas (4).
A problematização encontra fundamentação e respaldo, dentre outras, na Pedagogia Libertadora/Problematizadora de Paulo Freire (2,5). Freire (6) enfatiza que os problemas a serem estudados necessitam valer-se de um cenário real, visto que, através da observação da realidade, os problemas obtidos manifestam-se em sua plenitude, com todas suas contradições, o que incorpora postura crítica a educação, acarretando em um caráter fortemente político ao trabalho pedagógico na problematização (5). Assim sendo, esta abordagem relaciona-se a valores como: respeito aos saberes e a autonomia dos educandos, a criticidade, a corporificação das palavras pelo exemplo, aceitação do novo, rejeição da discriminação e a disponibilidade para o diálogo (4).
Nesta metodologia o conteúdo está em constante processo de renovação e ampliação, inserido criticamente na realidade, que do mesmo modo está em permanente transformação. Portanto, a problematização traz como eixo básico de orientação a relação ação-reflexão-ação transformadora (5).
Uma referência para a utilização desta metodologia no ensino universitário brasileiro está presente, desde a década de 1980, por intermédio dos trabalhos de Maguerez, Bordenave e Pereira. Neles, há a proposição de um esquema de problematização da realidade, desenvolvido por Maguerez como método do arco, apoiado em cinco etapas: observação da realidade (problema), pontos-chave, teorização, hipóteses de solução e aplicação à realidade (1,5,7), como representado na figura abaixo.
Passos do processo de ensino-aprendizagem com base no Arco de Maguerez
REALIDADE
Observação da Realidade
("problema")
Aplicação
à realidade
Pontos-chave
Hipóteses
de solução
Teorização
A primeira etapa deste arco é a observação da realidade, nela os educando são orientados a olhar atentamente e registrar o que perceberem sobre um aspecto selecionado da realidade, identificando dificuldades, carências, discrepâncias que serão problematizadas (1,7).
Na segunda etapa, identificam os pontos-chave do problema, separando dessa observação inicial o que é verdadeiramente importante do puramente superficial ou contingente (1,7).
A terceira etapa é a da teorização. Nela ocorre a investigação propriamente dita, onde o educando busca informações sobre o problema dentro de cada ponto-chave já definido, de forma que estas informações levantadas sejam tratadas, analisadas e avaliadas quanto as suas contribuições para resolver o problema (1,7). Se esta fase for exitosa, o aluno chegará a entender o problema não somente de forma empírica ou situacional, mas também com os princípios teóricos que o explicam, o que é altamente enriquecedor ao permitir o crescimento mental do educando. Este é um dos fatos que
denotam a superioridade da problematização sobre as pedagogias de transmissão e condicionamento (1).
A quarta etapa trata das hipóteses de solução, onde após todo o estudo realizado e como produto da profunda compreensão que se obteve sobre o problema, o aluno cria possíveis soluções, de forma crítica e criativa (1,7).
Na última fase, aplicação à realidade, o aluno põe em prática ou encaminha as soluções encontradas. Ainda, com base nessa experiência, aprende a generalizar o aprendido para utilizá-lo em diferentes situações, quando conveniente (1,7).
Assim sendo, o Arco de Maguerez tem a realidade como ponto de partida e de chegada do processo de ensino e aprendizagem. Constitui-se em ferramenta potente no sentido de levar o aluno ao exercício da ação-reflexão-ação (7).
As repercussões da pedagogia da problematização, tanto no nível individual, quanto social, foram apresentadas abaixo.
Repercussões da pedagogia da problematização
A prática educativa norteada pela pedagogia da problematização como a RMS, objeto deste estudo, é a mais adequada à área da saúde. Ao promover a valorização do saber do aluno, instrumentaliza-o para a sua própria transformação e de sua realidade. Ainda, contribui para o empoderamento dos usuários por meio do acesso à informação e ao estabelecer participação ativa destes atores em suas próprias ações de saúde. E, por fim, contribui para o contínuo desenvolvimento de competências técnicas e humanas nos trabalhadores da saúde (1).
Mda Rafaela Milanesi.
Nível Individual
Aluno constantemente ativo, observando, formulando perguntas, expressando percepções e opiniões.
Motivado pela percepção de problemas reais, cuja solução se converte em reforço.
Aprendizagem ligada a aspectos significativos da realidade.
Desenvolvimento das habilidades intelectuais de observação, análise, avaliação, compreensão, extrapolação, etc.
Intercâmbio e cooperação com os demais membros do grupo.
Superação de conflitos como integrante natural da aprendizagem grupal.
Status do professor não difere do status do aluno.
Nível Social
População conhecedora de sua própria realidade.
Métodos e instituições originais, adequados à própria realidade; redução da necessidade de um líder, pois líderes são emergenciais.
Elevação do nível médio de desenvolvimento intelectual da população, graças a maior estimulação e desafio.
Criação (ou adaptação) de tecnologia viável e culturalmente compatível.
Resistência à dominação por classes e países.